26 set O impacto do seguro caro
A possibilidade de se conseguir prêmios de seguro de veículos mais baratos no Brasil está ficando cada vez mais remota. Afinal, esse custo se agrega automaticamente ao preço de um carro novo. Estima-se que quase todos saiam das lojas já segurados. Se for financiado, praticamente não há exceção. Entre os 35% que compram à vista, para o próprio uso, o percentual é altíssimo.
Venda de apólices nas concessionárias integra o portfólio de serviços oferecidos. Seguro menos caro aumenta o leque de interessados em comprar um automóvel zero quilômetro. Porém, há uma má notícia: os prêmios podem subir de preço, em vez de cair.
Uma das razões está na polêmica lei aprovada na Bolívia para legalização de carros circulando irregularmente no país vizinho. Durante as últimas décadas, veículos furtados e roubados atravessavam fronteiras pouco controladas, em especial do Paraguai e Bolívia. Com isso, o seguro pago aqui aumentou continuamente pela dificuldade de recuperação.
A intenção do presidente boliviano, Evo Morales, parece boa. Trata-se de uma tentativa de controlar uma frota clandestina que nem o governo sabe quanto representa do total. Ele foi um pouco infeliz quando afirmou que os contrários à lei queriam só impedir que pessoas pobres tivesse acesso ao meio próprio de transporte.
Para as autoridades locais, apenas veículos que cruzaram a fronteira contrabandeados ou sem pagar impostos serão legalizados, mediante taxas de regularização. E ainda pediram ao Brasil uma relação dos carros suspeitos. Claro que quem recepciona esse tipo de “mercadoria” vai adulterar dados e esconder a origem fraudulenta. Portanto, na prática, continuarão circulando e agora com ficha limpa.
Acredita-se que em torno de 15% dos veículos não recuperados seguem para países vizinhos e a Bolívia é um destino fácil. As seguradoras tenderão a repassar aos segurados brasileiros essa conta na forma de prêmios mais altos. E o pior é não haver garantias de que o controle fronteiriço passe a funcionar de verdade. De tempos em tempos, essa espécie de anistia com o chapéu dos outros pode ser retomada, nunca se sabe.
O segundo formador de preços de apólices são as colisões e as peças utilizadas para o conserto. Estima-se que um terço dos automóveis sem recuperação pela polícia vai parar em desmanches clandestinos. Daí a ideia de regulamentar a atividade legal de desmontagem por meio de criação de empresas especializadas em separação, catalogação, reaproveitamento de componentes e reciclagem. Se um carro sofre perda total por colisão dianteira ou traseira, por exemplo, muitas peças não são afetadas na extremidade oposta.
Em países europeus esse serviço é executado há anos e na Argentina já levou a uma diminuição significativa no índice de furtos e roubos em apenas três anos. No Brasil, o Congresso Nacional discutiu por quatro anos e aprovou em 2010 a lei 345/07, de autoria do senador falecido Romeu Tuma, que regulamentava a desmontagem de veículos leiloados como sucata ou classificados como irrecuperáveis, além daqueles com mais de dez anos de fabricação.
No entanto, em janeiro desse ano, a presidente Dilma Rousseff vetou integralmente a lei, alegando “a falta de parâmetros técnicos mínimos para o comércio de peças usadas no mercado de reposição e da ausência de garantia do controle da qualidade e das condições de comercialização”. Isso apesar da ampla discussão promovida por deputados e senadores, incluindo órgãos de trânsito, seguradoras, reparadoras e fabricantes de autopeças.
Causou surpresa a rejeição total e não de pontos específicos do texto aprovado. Mesmo porque uma regulamentação bem feita da lei poderia aprofundar exigências e controles sobre os componentes reaproveitados, ao contrário do que existe atualmente em relação até aos desmanches regularizados.
Hoje, os modelos de entrada e de menor preço, produzidos em larga escala, sofrem com as apólices de seguros proporcionalmente mais caras. Isso se deve à grande frota circulante de carros desse tipo, a verdadeira base do mercado, e que continuará a crescer aceleradamente nos próximos anos. Ao mesmo tempo, atrai as quadrilhas especializadas em furto e desmontagem de componentes, o que a lei justamente queria evitar.
Autor: Fernando Calmon