Saiba como pessoas com deficiência podem comprar carro zero sem impostos.

Cadeirante há 13 anos, quando sofreu um acidente de motocicleta, Allan Gonçalves da Rosa, 31 anos, não poupou esforços para levantar documentos e preencher formulários e pleitear desconto na compra de seu primeiro carro zero quilômetro. Durante três meses, providenciou autenticação de papéis que viabilizariam abatimento dos impostos federais e estaduais que pesam sobre os automóveis, direito assegurado por lei para quem precisa adaptar carro para poder guiar.

Nesta semana, Rosa foi até uma concessionária da Capital para finalmente pegar as chaves do automóvel novo, um Prisma. A entrega do pedido de isenção e a encomenda do modelo à fábrica já haviam sido providenciadas.

— É um processo longo. Tem de ter tempo e paciência. Mas o desconto vale muito a pena — garante o cadeirante, que pagará R$ 47 mil por um carro que custa R$ 65 mil nas autorizadas.

No Estado, 1,2% dos condutores são obrigados a usar carros adaptados em razão de limitações físicas para dirigir, de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS). Portanto, têm direito a isenções de impostos federais e estaduais, que reduzem o preço do automóvel em cerca de 30%. 

Para solicitar o desconto, é preciso levar carteira de motorista e laudo médico do Detran-RS à Secretaria da Fazenda do Estado e à Receita Federal para comprovar a sua condição. A possibilidade de redução de impostos leva muitas pessoas a pleitearem o benefício mesmo quando não se encaixam nos requisitos. Conforme o Detran-RS, 78% dos recursos que questionam os resultados dos exames médicos para obtenção ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) têm como meta incluir no documento restrições que possam garantir o desconto especial.

— A obrigatoriedade de conduzir veículos adaptados cabe a quem possui deficiência física moderada ou grave, com comprometimento dos membros utilizados para dirigir — explica Paulo dos Santos Filho, da Coordenadoria Psicológica e Médica do Detran-RS. — Via de regra, não se aplica às deficiências físicas leves ou às doenças que não acarretam prejuízo à funcionalidade dos braços ou pernas.

Venda de veículos adaptados triplicou

A lei tem 20 anos, mas em 2013 foi estendida a familiares de pessoas com deficiência que não podem dirigir – como pacientes de doenças degenerativas ou crianças com síndrome de Down, por exemplo. Desde então, houve um salto no número de carros que saem das fábricas brasileiras com as isenções: conforme a Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistida (Abridef), o total passou de 44 mil em 2012 para 139 mil em 2016, aumento de 215,9% – a venda de automóveis convencionais caiu quase à metade.

No RS, o número de pedidos por isenção junto à Receita passou de 3.103 em 2013 para 4.371 em 2016.

– A lei passou a permitir que um pai de filho autista possa dirigir um veículo com isenção tributária, e isso levou muita gente a buscar este direito – diz Rodrigo Rosso, presidente da Abridef. – É uma compensação do Estado ao reconhecer que não consegue oferecer transporte de qualidade para pessoas com dificuldade de locomoção.

As regras gerais

– A legislação permite abatimentos de impostos estaduais e federais na compra de automóveis por quem tem limitações físicas para dirigir e precisa de adaptações ou itens assistidos (como câmbio automático ou direção hidráulica) no automóvel.
– Em 2013, essa legislação foi estendida a familiares de pessoas com deficiência que não podem dirigir.
– O incentivo vale apenas para carros zero, e é condicionado a laudos médicos e entrega de comprovantes em órgãos competentes (ao lado, veja as competências de cada um).
– Para obter todas isenções, o valor do carro não pode ultrapassar R$ 70 mil. Veículos nacionais com valores superiores terão somente isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
– Caso Receita Federal e Secretaria da Fazenda aprovem o pedido de isenção, a encomenda é feita pela concessionária à fábrica, que enviará um automóvel novo.
– Os carros nestas condições não estão disponíveis para pronta entrega. A negociação é na modalidade de venda direta de fábrica.
– A análise do pedido pela isenção por parte de Receita e Secretaria da Fazenda pode demorar de 40 a 180 dias, além do tempo de transporte do carro até a fábrica.
– O abatimento no preço final do veículo pode chegar a 30%, e o carro só poderá ser revendido após dois anos.
– Todas adaptações são feitas e pagas pelo motorista, que recebe o automóvel em condições normais e tem de levá-lo a empresas de acessórios credenciadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e pelo Detran.

Doenças que podem dar isenção: amputação, artrite reumatoide, artrodese, artrogripose, artrose, ausência de membros, autismo, AVC, acidente vascular encefálico, bursite, cardiopatia, deficiência visual ou mental, derrame, Dort, diabetes, doenças degenerativas, doenças neurológicas, paralisia, encurtamento de membros e más formações, esclerose múltipla, escoliose acentuada, espondilite anquilosante, falta de força ou de sensibilidade, formigamento, lúpus, hemiparesia, hemiplegia, nanismo, hemofilia, hepatite C, hérnia de disco, HIV, LER, lesões com sequelas físicas, linfomas, manguito rotator, mastectomia, paralisia cerebral, membros com deformidades, má formação, monoparesia, ostomia, triplegia, monoplegia, paraparesia, aids, paraplegia, neuropatias diabéticas, Parkinson, poliomielite, sequelas físicas, próteses, fístula, problema de coluna, síndrome do túnel do carpo, talidomida, tendinite crônica e tetraparesia, entre outras.

Dicas para os tutores legais
– Os não condutores, pessoas que não podem dirigir em razão de limitação física ou mental – com dano físico grave, pessoas com deficiência visual, autismo etc. –, também podem fazer a compra do automóvel zero com isenção do IPI e ICMS e IPVA.
– A norma vale para qualquer pessoa com limitações – mesmo que seja uma criança, que precisa ser conduzida por um parente ou um tutor legal – que obtenha os laudos para o processo de isenções.
– A busca pela autorização nestes casos não passa pelo Detran. É preciso procurar um clínica conveniada ao SUS para obter o laudo do médico, assinado por dois profissionais com registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) e o diretor da clínica.
– Com os laudos em mãos, deve-se procurar na Secretaria da Fazenda e na Receita Federal os formulários para requerer as isenções de impostos.
– Cada não condutor pode eleger até três condutores legais, que, conforme a lei, devem dirigir o automóvel apenas quando estiver a serviço da pessoa incapaz.
– Todos os procedimentos de compra, inclusive o financiamento, são feitos em nome da pessoa com deficiência, mesmo que se trate de uma criança, sob responsabilidade dos pais ou responsáveis legais.

Onde buscar ajuda

– As próprias concessionárias costumam encaminhar os documentos aos órgãos estaduais e federais para buscar a isenção de impostos, mas o interessado deve levantar antes o pedido dos laudos médicos.
– Também há serviços de despachantes que auxiliam e dão encaminhamento à papelada, serviço pago à parte – o valor pode variar de R$ 400 a R$ 1.800.

O que compete a…

… Departamento Estadual de Trânsito

– Quando alguém com deficiência física tira ou renova a CNH, nos Centros de Formação de Condutores (CFCs), o exame médico identifica as limitações e encaminha a pessoa com deficiência para avaliação de uma junta médica.
– O procedimento também deve ser feito pelo motorista quando há alteração na sua condição de dirigir – por exemplo, se tiver sofrido acidente que tenha paralisado membros – ou mudança na categoria da CNH.
– Após ser encaminhado pelo médico do CFC para a Junta Médica Especial do Detran-RS, o candidato deverá efetuar o agendamento do exame no próprio CFC e comparecer ao local de atendimento.
– Essa junta analisará o parecer do primeiro exame e poderá pedir exames adicionais (o cidadão terá de providenciar e arcar com os custos). O parecer é dado na mesma hora.

… Receita Federal

– A Receita pode autorizar a isenção do IPI e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que incide no financiamento do automóvel.
– São aceitos três tipos de laudos: emitidos por serviço público de saúde, por serviço privado que atenda o SUS e pelo Detran ou por suas clínicas credenciadas.
– No caso dos tutores legais, é necessário apresentar as cópias autenticadas ou acompanhadas das originais de todos os demais condutores, se for o caso, e comprovar a tutela legal.
– Para encaminhar o processo, é necessário preencher formulário e apresentar cópias autenticadas de laudo do Detran-RS, da CNH e de comprovantes de residência e de renda. A lista completa dos documentos e os formulários estão neste link.
– A entrega dos documentos é presencial no Centro de Atendimento do Contribuinte (CAC): em Porto Alegre, na Avenida Loureiro da Silva, 445, sobreloja.

… Secretaria da Fazenda do RS

– O órgão pode autorizar o abatimento do ICMS na compra do automóvel e isentar do IPVA.
– Deve ser procurado tanto por quem tem limitações para dirigir e precisará de adaptações no carro, quanto por não condutores que queiram o abatimento de imposto para serem conduzidos por tutores.
– Para obter a isenção do IPVA, o valor de mercado do carro não deve ser superior a R$ 93.078,58.

Lojas e despachantes ajudam a enfrentar a burocracia oficial

Fortes prefere contar com o apoio da concessionária para obter a isençãoFoto: Bruno Alencastro / Agencia RBS

O longo percurso para obter o abatimento de impostos pode ter um atalho com o apoio de despachantes e das concessionárias. Em geral, as revendedoras prestam esse suporte de forma gratuita.

– Basta que o cliente traga o laudo médico e a carteira de motorista com as necessidades de adaptações que damos encaminhamento à burocracia – diz Marlo Herrmann, gerente de Vendas da Sinoscar, concessionária da Chevrolet.

Os despachantes também providenciam o pedido de isenção. Desta forma, a pessoa com deficiência (ou seu familiar) recebe a autorização antes de escolher o veículo. No Estado, profissionais cobram entre R$ 400 e R$ 1.800 pelo serviço.

Comprar automóveis fabricados em outros Estados, porém, é um processo mais complicado: em lugares que não têm acordo tributário com o Rio Grande do Sul, como São Paulo, é necessário contratar despachante local para providenciar a isenção na Secretaria da Fazenda local. Revendas também fazem o serviço, mas cobram taxas.

O fiscal de transporte Emerson Rodrigo Chaves Fortes, que tem limitações em razão de uma lesão no joelho após um acidente, em 2008, deixou o processo nas mãos da revendedora e, em 25 dias, obteve isenção para um carro automático:

– É a segunda vez que compro carro zero com isenção e prefiro deixar nas mãos da concessionária.

 

FONTE: Diário Catarinense